quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Lágrimas - por P.Nuno Serras Pereira

Não cuido aqui tratar do que são lágrimas, mas tão só interrogar-me sobre algumas, de há pouco, publicamente vertidas.

Sabemos como Jesus Cristo as derramou quando chegou ao túmulo de Seu amigo Lázaro. No entanto, nem todos conhecerão que as interpretações acerca da causa das mesmas divergem, sem necessariamente se excluir, entre si. Consideremos duas. Dizem alguns que Jesus Se comoveu perante o horror da morte que vitimou aquele a quem O uniam laços de grande amizade. Outros, porém, afirmam que o Senhor chorava porque, ao ressuscita-lo (para consolação de suas irmãs e anúncio da Sua Ressurreição, não já de torna-a-viver-neste vale-de-lágrimas mas de vitória definitiva sobre a morte) o iria trazer de novo a esta vida, tão miserável em comparação com a futura.

Mas não é necessário recorrer à Misteriosa profundidade insondável de Deus humanado para confessar a nossa ignorância ou perplexidade tão frequentes diante das lágrimas de meras criaturas humanas.

É verdade que quando conhecemos bem uma pessoa percebemos o que um estranho ou um alienígena poderia estranhar. Quando a minha avó chorava quando íamos a férias todos sabíamos que aquele pranto era de genuína alegria. No entanto, muitas vezes a causa daquele pode constituir um enorme enigma, principalmente quando se trata de especialistas em representação, tais como os actores e, em geral, os políticos.

Obama, lacrimou diante das televisões ao iniciar uma declaração sobre a execrável matança de 20 crianças e 6 adultos numa escola no seu país.

Por que chorou Obama? Confesso que não sei. Suponho, todavia, que a multidão dos telespectadores não terá nenhuma dúvida que ele se comoveu perante a tragédia. Mas, não obstante, essa esmagadora maioria, eu continuo sem saber. E surgem-me as mais díspares interrogações. Houve ali um movimento de verdadeira piedade para com as vítimas inocentes e inermes? Uma empatia com o sofrimento dos familiares? Ou, pelo contrário, uma mera actuação de modo a cativar o coração do povo norte-americano? Ou não terá sido um momento de imenso regozijo, nele expresso em lágrimas de alegria, por verificar que os seus propósitos estão progredindo conforme as suas expectativas?

Já estou adivinhando, com esta última pergunta, os pensamentos dos meus amigos: Definitivamente o P. Nuno enlouqueceu; e dos que me são estranhos: O Padre é doido varrido! Não serei eu que refutarei tais arguições. Peço somente que se recordem que Obama votou contra a abolição do abortamento por nascimento parcial, que descrevi em breves pinceladas aqui, bem como a favor do infanticídio daquelas crianças viáveis sobreviventes a abortamentos falhados, e que obstinadamente quer forçar as instituições de saúde da Igreja e de outras confissões religiosas a induzirem abortamentos químicos e mecânicos. Claro que quem quer ser cego não vê nem a abominação destas decisões, nem a relação entre as chacinas, nem os objectivos perseguidos. Por outro lado, crendo erroneamente, com uma fezada alucinada, que a natureza humana, com o progresso técnico e científico, se transmutou qualitativamente, considera não só improvável mas mesmo impossível que políticos actuais, na aparência tão simpáticos e sedutores, possam ter comportamentos semelhantes ou idênticos aos de Herodes, de Nero, de Ivan, o terrível, de Hitler, de Estaline, de Mao, de Pol Pot.

Por que se mostrou emocionado e chorão Obama? Não sei. Talvez só Deus saiba.

Sucede que também me interrogo sobre o “choro” e o destaque concedidos pelos nossos meios de comunicação social, incluindo a irresponsável RR, ao terrível evento quando todos os dias úteis, somente no abortadouro dos arcos, em Lisboa, são degoladas, esquartejadas e trituradas 24 crianças. Cuidarão que há uma diferença substancial ou qualitativa entre crianças nascituras e as nascidas. Em verdade, em verdade vos digo, ou melhor, Deus vo-lo diz: Não há!


17. 12. 2012, Logos

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Ainda a polémica sobre Isabel Jonet

Vasco Pulido Valente, Público, 16/12/2012 (daqui)

Na Quadratura do Círculo, António Costa, António Lobo Xavier e Pacheco Pereira, sob a moderação muda de um funcionário da SIC, resolveram discutir algumas declarações da dra. Isabel Jonet e o "Banco Alimentar" a que ela preside. Pacheco Pereira, como sempre, serviu a peça do PS. Lobo Xavier tentou endireitar as coisas, com pouca convicção e quase sem informação. E António Costa deu, deliciado, uma no cravo e outra na ferradura. Claro que o nó do problema foi a diferença entre caridade e Estado social. Pacheco Pereira, por indignação ou ressentimento, voltou aos seus tempos de esquerdista, lá veio com a velha conversa de que na essência a caridade humilhava quem a recebia; e que o Estado, prestando um serviço, se limitava a responder a um direito legal do cidadão.
Ao que parece, Isabel Jonet tinha cometido o imperdoável pecado capital de dizer numa entrevista que preferia a caridade ao Estado social e, sobre isto, já de si claramente subversivo e provocatório, de invocar S. Paulo. Se as luminárias da Quadratura, por uma questão de curiosidade, se houvessem dado ao excessivo trabalho de ir ao site do Banco Alimentar, descobririam logo que ele não aspira a ser senão "uma resposta necessária mas provisória" a uma situação desesperada, porque o Estado deve garantir a qualquer pessoa "um nível de vida suficiente que lhe assegure e à sua família, a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica" e ainda a toda a variedade de contribuições que se tornem necessárias. E, para que não restem dúvidas o Banco Alimentar rejeita a "caridade condescendente" e define o seu trabalho como uma "opção de cidadania", que, em última análise, se destina a contribuir para o advento de mais "justiça" social.
Quanto à dra. Isabel Jonet, que o anticlericalismo indígena escolheu para bode expiatório da sua impotência, é uma mulher estimável que, de repente, se viu metida no meio de um jornalismo espertalhão. Não sendo nem moralista, nem teóloga, nem política, falava com a maior inocência sobre si e o seu papel no Banco Alimentar, não lhe ocorrendo que se podia meter num sarilho ou suscitar uma polémica a cada palavra. Atravessou este pequeno tumulto com dignidade e boa fé. E suspeito que ganhou apoios para o Banco Alimentar. A Quadratura do Círculo irritou muito boa gente. Confesso que me irritou a mim e que decidi logo ajudar com regularidade essa extraordinária empresa. Mais do que isso, estou contente com a decisão. Primeiro, porque eles merecem. Segundo, porque Isabel Jonet mostrou que era uma senhora normal, honesta e franca - exactamente o contrário dos políticos que lhe ladram aos pés.

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Jonet a pagar o preço pelo Bem que não veste a camisola vermelha das boas causas da santidade laica. Esta mulher tem alimentado dezenas de milhares, tem sido agasalho para a fome, a esperança para os abandonados, o aconchego para os desesperados. Ali não há fundos do Estado, não há agenda política, um cargo a filar, os louros de um prémio a receber. Trata-se de caridade - sim, caridade e não "solidariedade" - amor ao próximo e mandato da consciência. Num país de palavrosos inconsequentes, de teóricos e de elites presunçosas, Jonet é granítica, enorme, uma exemplar e teimosa força merecedora de um tapete de flores. Devia circular pelas ruas sob uma estrondosa e torrencial salva de palmas. Mas não, em Portugal, há sempre um Pacheco a espumar raiva, a perorar sobre sociologias, "conceitos" e "ideias".

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

“50% da riqueza produzida em Portugal é para sustentar o Estado”


Temos um grande problema de pensamento em Portugal que é causado pelo ensino escolar, pela cultura familiar e que põe de lado o raciocínio lógico. Tomam-se decisões emocionais e pouco lógicas e estamos na situação de uma pessoa que andou anos a comer de mais, a não cuidar da saúde e agora tem que entrar em dieta rigorosa e tomar remédios muito amargos. Esta é a situação do Estado português. Depois ficamos muito zangados com o médico que é muito mau connosco quando, na verdade, temos que nos culpar a nós próprios porque deixamos o nosso Estado, eleito por nós, dar cabo da economia portuguesa por inépcia, irresponsabilidade e, nalguns casos, francamente, por corrupção. Muitas destas obras espaventosas de país muito rico que andámos a fazer durante estes anos todos tinham dois objectivos: Ser simpático para com o eleitorado que gosta de autoestradas, rotundas, de monumentos engraçados e disparatados nas rotundas mas, sobretudo, obras públicas. Mas há um motivo muito pior, estou convencido que muitas dessas obras públicas eram para dar negócios aos amigos, que depois dão emprego aos políticos que tomaram essas decisões, já para não dizer, financiar os partidos políticos a partir de comissões e doações dadas pelas empresas que fizeram as grandes obras públicas. Se em vez de, por exemplo, se ter feito a Expo, em Lisboa, onde se gastaram centenas de milhões de euros numa festa de seis meses, se tivessem restaurado bairros históricos de Lamego, Lisboa, Porto, uma quantidade de bairros históricos em Portugal que estão a cair, dava trabalho a muitas pequenas empresas de construção civil, era muito mais útil para o país, tinha muito mais interesse. Não dava era as tais comissões nem as negociatas que foram feitas à volta da Expo. O mesmo aconteceu com o Centro Cultural de Belém, estádios de futebol, ponte Vasco da Gama que custou imenso e que estamos a agora a pagar. Na altura o estado estava a pagar as suas despesas com dinheiro do exterior e quem nos emprestava o dinheiro disse: “Então como é que vão pagar isso? Com o vosso nível de vida nunca vão ser capazes de pagar. Só continuamos a emprestar se passarem a ter uma gestão muito cuidadosa e se gastarem menos do que aquilo que ganham”. Mas ainda estamos a gastar mais do que o que ganhamos… Isto era o inevitável causado pela irresponsabilidade e que já tinha acontecido com a primeira República, começaram a fazer a mesma coisa e em 1926, ao fim de 16 anos estavam na falência. Alternativas… Em primeiro lugar produzir produtos que possam ser vendidos no estrangeiro, darmos o máximo de apoio à produção nacional, agricultura, pesca, indústria, tudo aquilo que nós sabemos fazer bem e que foi negligenciado e destruído e, curiosamente, o único setor que melhorou este ano foi a agricultura. Outro aspeto é saber se o dinheiro que o Estado está a gastar é bem aplicado. Toda a gente tem pena dos funcionários públicos despedidos, claro que é para ter pena, mas será que vale mesmo a pena que nós todos, quem produz riqueza em Portugal, sustentemos 700 mil funcionários públicos, quando em 1975 tínhamos 200 mil? É isso que temos que saber, se queremos pagar isso e provavelmente não, preferimos pagar serviços que realmente recebemos e não a uma data de gente que muitas vezes não se sabe o que está a fazer. E, 80% do orçamento do Estado, são salários do funcionalismo público, do governo central e das câmaras. 50% da riqueza oficialmente produzida em Portugal é para sustentar o Estado e isto começa a ser insustentável. Se cada um de nós trabalha 11 meses, recebe 14, metade do que ganhamos é para sustentar a máquina do Estado. Mas de todas as desgraças se pode tirar um ensinamento e alguma vantagem, neste caso, visto que não soubemos obrigar o nosso Estado a comportar-se como pessoa de bem e sensata, agora não há alternativa. Em vez de cortar naquilo que é útil e produtivo no país, como é o caso de excesso de impostos que vão matar a produção industrial e agrícola, a economia produtiva, e que vão dificultar a nossa competitividade internacional, é preferível menos impostos e mais cortes na despesa do Estado e eu acho que isto é básico e lógico. E, àqueles que tiverem de ficar desempregados, arranjem-lhes outros trabalhos onde sejam produtivos, onde possam produzir coisas úteis. Quase toda a gente sabe fazer outras coisas, há muita gente que está a abandonar a cidade, a ir para o campo e a criar produtos comestíveis, que são industrializados, que são vendidos aumentando a produção agrícola. Há dezenas de milhares de estrangeiros, a trabalhar na agricultura portuguesa, porque poucos portugueses estão interessados em fazer vindimas, apanhar azeitona, fazer limpeza florestal. Há muita gente a receber subsídios para não fazer nada. Há câmaras, que eu conheço pessoalmente, como é o caso de Setúbal, onde quem recebe subsídios é obrigado a prestar serviços à comunidade, desde pessoas que ajudam na segurança das escolas, que dão explicações aos alunos com dificuldades, que tratam dos jardins municipais, que restauram prédios degradados, desempregados que têm um certo nível cultural e trabalham nessa área, outros que vão levar comida a casa dos mais velhos que não podem sair de casa… Milhares de pessoas a fazerem trabalhos para a comunidade em troca dos subsídios que recebem. Isso é um passo muito positivo em todos os aspectos, e para eles em primeiro lugar. Claro que há os falsos desempregados, até há pouco tempo 30% das ofertas de trabalho em Portugal não tinham ninguém interessado nelas. O povo das Beiras tem mais flexibilidade, as pessoas são desembaraçadas, têm experiência de campo, quando perdem o emprego num serviço ou numa indústria sabem fazer outras coisas, podem mais facilmente adaptar-se à situação de crise económica do que, por exemplo, as do Porto e Lisboa.

UMA ENTREVISTA A LER!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Sugestão de leitura (IV)





Aos 46 anos, no dia 4 de Dezembro de 1980, Francisco Sá Carneiro, fundador e líder do PSD, morreu em Camarate. Junto de Snu Abecassis, a mulher por quem se apaixonou e por quem desafiou as leis da Igreja, da família, da sociedade e da política. Muitos viam-no como o rosto da esperança, o futuro da política portuguesa. Outros criticavam-lhe o carácter e a forma de fazer política. A sua morte precoce, envolta em mistério e polémica, fez dele um mito. Depois de cinco anos de pesquisa exaustiva, de recolha de documentação e de fotografias inéditas, o jornalista Miguel Pinheiro traça a biografia completa, pessoal e política, de Francisco Sá Carneiro, o advogado que durante onze meses foi primeiro-ministro de Portugal. Ao longo destas páginas, ficamos a conhecer pormenores e histórias até então absolutamente desconhecidas: como o dia em que fintou a morte apesar de ter recibo a extrema-unção; a depressão que sofreu e tentou esconder a seguir ao 11 de Março de 1975; a forma como tentou esconder o romance com Snu, com receio de perder as eleições nas quais era candidato, as cartas inéditas do divórcio e a tentativa de declarar a nulidade do casamento no Vaticano, e os conflitos políticos com Ramalho Eanes e Mário Soares.



Esta é a primeira biografia de Adelino Amaro da Costa, uma personalidade extraordinária que deixou uma obra e um percurso singular que faltava contar. Da infância na Madeira aos anos no Liceu de Camões, do curso no Instituto Superior Técnico às aulas que leccionou de Introdução à Universidade. A sua história de vida é também um exemplo de dedicação do público e do bem comum - sempre com um sorriso e um optimismo resistente às adversidades.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A carta dos 70

Por Adolfo Mesquita Nunes, jornal I

Na semana passada, 70 personalidades lideradas por Mário Soares, quase todas de esquerda e dizendo-se intérpretes da vontade popular, escreveram uma carta ao primeiro-ministro exigindo-lhe mudança de políticas ou, em alternativa, a sua demissão.
Note-se, em primeiro lugar, a arrogância dos signatários da carta: consideram-se os justos representantes do clamor popular.
Não sabemos quem, de entre o povo, lhes passou o mandato popular. Nem sabemos de que forma ou em que momento foi esse mandato conferido. E não sabíamos – eu, pelo menos, não sabia – que o povo, nos seus milhões de vontades e aspirações, consegue formar uma vontade una, indivisível, totalitária, revelada aos 70 e por estes apropriada.
Sabemos apenas, ou não fosse a esmagadora maioria dos signatários de esquerda (o que oferece, como se sabe, o pressuposto da bondade e da identificação com o bem comum), que se sentem justos representantes do povo.
Eles é que sabem, os 70. Não foram eleitos, os 70; não foram a votos, os 70; não pediram mandato, os 70; nem receberam procuração, os 70. Mas isso são pormenores: eles é que sabem. Porque sim. Talvez por serem de esquerda.
Note-se, em segundo lugar, o desprezo, porque é disso que se trata, com que os signatários tratam a Constituição e, já agora, os portugueses (sim, os portugueses).
A Constituição tem regras sobre a nomeação e demissão do governo – regras que os signatários deviam conhecer, até porque andam sempre com a Constituição no verbo – e que de forma alguma autorizam uma espécie de conselho de sábios a arrogar-se o direito ou dever ou poder de determinar o momento a partir do qual um governo deve ser demitido ou pedir a sua demissão.
E essas regras pressupõem, basta lê--las, a democracia parlamentar. É o parlamento que representa, para o que ora nos interessa, a vontade popular. E é no parlamento que se formam as maiorias necessárias para manter ou não um governo.
Aquilo que os signatários da carta demonstram pelo parlamento e, por isso, pelos portugueses que o elegeram, não é outra coisa senão desprezo, como se o parlamento não servisse para nada ou, pior, como se o parlamento não representasse a vontade popular.
Serei só eu a considerar grave que haja deputados (sim, há deputados entre os signatários) a querer, através desta carta, obter algo que, negado nas urnas, nem sequer tentaram no parlamento?
Note-se, enfim, a displicência dos signatários.
Críticas, é só lê-las espalhadas pelos parágrafos da carta. Soluções alternativas, daquelas que se podem propor no parlamento, estilo faça-se x ou legisle-se no sentido y, é que está quieto. Mande-se abaixo o governo, porque sim e porque não é de esquerda. Para fazer o quê é que não se sabe. Parece que não é preciso e que basta dizer crescimento, crescimento, crescimento.
Esta carta, no consenso que arrogantemente pretende iludir e no espelho que procura ser da elite portuguesa, funciona afinal como paradoxo.
O país entrou em pré-bancarrota depois de décadas de irresponsabilidades que foram consentidas, toleradas e muitas vezes aplaudidas apenas porque embrulhadas num qualquer amanhã que canta, porventura ao gosto de alguns dos 70. Esta carta representa tudo o que Portugal foi e tudo o que, por três vezes na nossa história recente, nos levou a pedir ajuda externa.
Nada me move contra os 70 signatários. Sou admirador de uns, leitor compulsivo de alguns e até, orgulho-me, amigo de outros. Mas nem a admiração, nem o gosto nem a amizade me impedem de considerar que o caminho defendido pelos 70, na parte que tem de perceptível, procura a perpetuação de um modelo socialista que não consigo defender e que nos arruinou.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O ridículo da geração

por JOÃO CÉSAR DAS NEVES



Nos múltiplos referendos anexos às últimas eleições americanas, três estados votaram a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na França, a medida foi aprovada há pouco e Nova Zelândia, Inglaterra e Escócia preparam-se para a adoptar. Existe claramente uma onda triunfal, sobretudo entre países ricos, que parece inverter o panorama neste tema. Assim esta geração muda a milenar definição de matrimónio. O mais espantoso nisto é ninguém parecer dar-se conta do ridículo da situação.

Primeiro, esta suposta grande conquista dos direitos humanos não envolve nada de realmente importante. Não estão em causa pessoas mortas, feridas, presas ou sequer incomodadas na sua vida pessoal. É literalmente uma questão de secretaria. Quando a nossa geração pretende emular as lutas dos tempos heróicos contra escravatura, pena de morte ou pelos direitos dos trabalhadores e minorias, o melhor que consegue é isto. A seguir deve ir tratar de maçanetas para canhotos ou semáforos para daltónicos. Não é por falta de assuntos graves, pois, entre muitas outras injustiças clamorosas que passam impunes, temos milhões de embriões chacinados pelo aborto todos os anos. Mas esta geração toma isso como conquista democrática.

O segundo aspecto é que o tema escolhido cai logo na área em que as nossas instituições têm feito ultimamente os maiores disparates. Durante milénios, o Estado não casava ninguém, deixando isso ao costume social ou às entidades religiosas. Em Portugal, o casamento civil só surgiu em 1832, obrigatório a partir de 1911. Na Inglaterra foi apenas em 1837, na Alemanha em 1875; até a França, a mais antiga, teve-o unicamente em 1792. A situação anterior é razoável por ser sumamente aberrante o rei pretender regulamentar o amor. Só um tempo como o nosso, com uma doentia ânsia legislativa, aspira a tal coisa.

O pior é que nestas poucas décadas o Estado conseguiu fazer uma salganhada de uma responsabilidade tão importante. Neste momento, em Portugal, custa mais despedir a criada do que o marido, pois o contrato de casamento é mais frágil do que o de trabalho ou sociedade. Como além disso a lei fez questão de estender aos solteiros os direitos dos casados, através da promoção das uniões de facto, a instituição do casamento civil é hoje quase inepta. Afinal os antigos tinham razão. De fora até pode parecer que o Estado ocupou-se da instituição apenas para a abandalhar.

Não admira que as pessoas ultimamente se tenham deixado disso. Os valores de 2010, último ano disponível, são de 3.8 casamentos por mil habitantes, descendo de mais de sete em 1992 e quase dez em 1973. Parece que hoje em dia os homossexuais são os únicos que querem casar-se. Aliás nem esses, pois, após séculos de repressão, o surto inicial de casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo gerado pela Lei 9/2010 de 31 de Maio foi de... 266 em 2010. Uma marcante conquista da civilização, como se vê!

O pior é que este campo, onde tantos activistas se esforçam generosamente por conseguir avanços, é precisamente aquele em que se situam as grandes calamidades desta geração. Só que não é desse lado, mas precisamente do oposto. Os dramas da solidão, traição, traumas infantis, promiscuidade são consequência directa da mesma ideologia antifamília que triunfa nestes supostos avanços. A taxa de divórcio já é 2.6 por mil habitantes. Ou seja, por cada 19 uniões novas desfazem-se 13. A nossa taxa de fertilidade, 1.3 filhos por mulher, das mais baixas do mundo, está ao nível de catástrofe demográfica. Os problemas psicológicos, educacionais, culturais, sociais, económicos e financeiros que isto cria seriam inimagináveis se não os observássemos quotidianamente. É um processo de demolição da sociedade e civilização portuguesa e ocidental sem precedentes.

Será difícil as gerações futuras entenderam como foi possível ignorar problemas tão vastos, graves e influentes, indo perder tempo com questões laterais e menores. Mas seremos pouco castigados, pois a devastação desta geração tornará as seguintes pequenas, esparsas e traumatizadas.